Este texto foi produzido a partir da aula ministrada na Pós- Graduação da CETESB em 29/06/2024, pelo Dr. Flávio Linquevis, advogado ambiental, especialista e áreas contaminadas, com mais de 20 anos de experiência na área, sócio fundador da Linquevis Advocacia Ambiental, boutique jurídica em Direito Ambiental, com atuação de destaque em casos de diversas complexidades em áreas contaminadas, assim como outros assunto em Direito Ambiental.
Dr. Flávio é além de professor de direito ambiental em áreas contaminadas, também Mestre e Doutorando em Legislação Ambiental pela UNICAMP, IG -EHCT, Coautor do I Simpósio Nacional de Direito Ambiental da APRODAB, Coautor do GEOSUDESTE 2019 (16º Simpósio de Geologia do Sudeste, 20º Simpósio de Geologia de Minas Gerais, 9º Simpósio Nacional de Ensino e História de Ciências da Terra), Integrante do Grupo de Pesquisa AQUAGEO da UNICAMP e UNESP, Autor de artigos, livros e palestras na área do Direito Ambiental.
Foi membro da Latin America Network for Soil and Water Management (REDE NICOLE), onde hoje é consultor jurídico convidado do GT sobre áreas contaminadas complexas, membro da Associação Técnica para o Estudo de Contaminação de Solo e Água Subterrânea (AECSAS) de Portugal, da Sociedade Brasileira de Geologia (SBGeo), da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS), da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), da Câmara Temática em Governança Corporativa e Jurídica da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), do Instituto de Direito Ambiental (IDAM) e finalmente, coordenador da câmara de direito ambiental do Instituto Água Segura (ITAS) entre outras.
Introdução:
A expansão urbana, na implantação de bairros, ou como hoje chamados, distritos industriais dentro dos grandes centros metropolitanos, com baixíssima preocupação com impactos ambientais, até pela falta de conhecimento técnico no assunto e o modelo urbano-industrial dominante a partir da década de 1950 geraram um problema ambiental de proporções alarmantes: a proliferação de áreas contaminadas. Áreas essas que, outrora, serviam como polos de desenvolvimento, hoje representam um risco à saúde humana, ao meio ambiente e ao futuro das cidades.
Histórico Normativo:
A partir da década de 1970, com a promulgação da Lei n. 118/73, que instituiu a CETESB, e da Lei n. 997/76, que visava o controle da poluição ambiental, o estado de São Paulo deu os primeiros passos para lidar com a questão das áreas contaminadas.
Na década de 1990, a CETESB firmou um convênio com a GTZ (Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit) da Alemanha, buscando inicialmente a restauração das condições naturais do solo. No entanto, o alto custo dessa abordagem levou à busca por medidas mais viáveis, como a remediação para um uso futuro específico.
Em 2001, a CETESB publicou o Manual de gerenciamento de áreas contaminadas e cadastro de áreas contaminadas, consolidando a visão de que a remediação deve visar a viabilidade técnica, econômica e ambiental da área.
Em 2009, a Lei n. 13.577/09 estabeleceu diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas, definindo responsabilidades, objetivos e instrumentos para a gestão adequada desses locais. Lei essa regulamentada pelo Decreto n. 59.263/13.
Temos ainda em âmbito federal o Projeto de Lei (PL) n. 2732 que está em tramitação na câmara há 13 anos.
Conceito:
O conceito de área contaminada, segundo a Resolução CONAMA 420/09 (Federal) e a Lei 13.577/09 (SP), define como tal qualquer área, terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria que contenha quantidades ou concentrações de matéria em condições que causem ou possam causar danos à saúde humana, ao meio ambiente ou a outro bem a proteger. Diferença importante entre essas duas normativas é o fato que a Resolução CONAMA pontua expressamente que tal concentração deve surgir a partir de atividades antrópicas, diferentemente da Lei estadual n. 13.577/09.
Responsabilidades e Obrigações:
A Lei 13.577/09 estabelece que os responsáveis legais pela contaminação, proprietários, superficiários, detentores da posse efetiva e beneficiários diretos ou indiretos da área contaminada são solidariamente responsáveis pela prevenção, identificação e remediação da área.
Ainda a obrigação na remediação de áreas contaminadas é de natureza propter rem, ou seja, recai sobre o proprietário ou possuidor atual e/ou anteriores, independentemente da culpa. Como visto na lei, assim como na Súmula 623/STJ.
A Resolução CONAMA pelo contrário, não tem rol de responsáveis legais explicitamente como a lei estadual paulista acima, pontuando apenas responsáveis pela contaminação e proprietários, conforme visto por exemplo no art. 37.
Objetivos:
A Lei 13.577/09 define os seguintes objetivos para o gerenciamento de áreas contaminadas:
- Proteger a qualidade do solo e das águas subterrâneas;
- Prevenir a geração de novas áreas contaminadas;
- Identificar áreas contaminadas;
- Garantir a saúde e a segurança da população exposta à contaminação;
- Promover a remediação de áreas contaminadas e das águas subterrâneas por elas afetadas;
- Incentivar a reutilização de áreas remediadas;
- Promover a articulação entre as instituições;
- Garantir a informação e a participação da população afetada nas decisões relacionadas com as áreas contaminadas.
Já a Resolução CONAMA traz no art. 22 seus objetivos, os quais:
- Eliminar o perigo ou reduzir o risco à saúde humana;
- Eliminar ou minimizar os riscos ao meio ambiente;
- Evitar danos aos demais bens a proteger;
- Evitar danos ao bem-estar público durante a execução de ações para reabilitação; e
- Possibilitar o uso declarado ou futuro da área, observando o planejamento de uso e ocupação do solo.
O que cumulado com os arts. 35, 36 e 37 da mesma normativa, conclui que os objetivos da Resolução estão na redução dos contaminantes a níveis toleráveis, levando se em conta os riscos a saúde humana e aos bens a proteger (inicia fase de monitoramento) e após período de monitoramento, atingindo a eliminação do perigo ou a redução dos riscos a níveis toleráveis (declarada reabilitada).
O que se Busca:
O gerenciamento de áreas contaminadas, conforme a legislação estadual paulista, visa alcançar a remediação da área, ou seja, a redução das concentrações de contaminantes a níveis aceitáveis para o uso pretendido, garantindo a proteção da saúde humana, do meio ambiente e dos demais bens a proteger.
Conflitos e Desafios:
Apesar dos avanços legais e normativos, a gestão de áreas contaminadas ainda enfrenta diversos desafios, como:
- A definição de valores de intervenção, prevenção e referência de qualidade para os contaminantes X concentrações máximas aceitáveis (CMA’s);
- A garantia do uso futuro seguro das áreas remediadas, levando se em conta inclusive questões imobiliárias;
- A responsabilização dos causadores efetivos da contaminação;
- Gerenciamento integrado em casos complexos;
- A integração da questão das áreas contaminadas no processo de licenciamento ambiental, assim como plena análise e conclusão em casos de desativação.
Profissionais Envolvidos:
O gerenciamento de áreas contaminadas é um processo complexo que exige a atuação de diversos profissionais, incluindo:
- Servidores Públicos;
- Promotores de Justiça (MP);
- Profissionais Técnicos (Geólogos, Químicos, Biólogos, Engenheiros, entre diversos outros);
- Advogados ambientais;
- Gestores e administradores (operacionais e financeiros);
- Especialistas em comunicação (planos de comunicação).
Conclusão:
A questão das áreas contaminadas é um desafio ambiental e social de grande envergadura. O gerenciamento adequado dessas áreas exige um olhar abrangente que considere os aspectos técnicos, jurídicos, econômicos, sociais e ambientais. A atuação integrada do poder público, da iniciativa privada e da sociedade civil é fundamental para garantir a efetiva proteção da saúde humana, a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável das cidades.